Responsabilidade Civil pela prática do “Bullying”

Responsabilidade Civil pela prática do “Bullying”

por Bruno Sales Biscuola*

A polêmica série da Netflix, 13 reasons why, tem motivado debates sem fim nas redes sociais, além de campanhas sobre a prevenção do suicídio e do fenômeno denominado bullying, trazendo a lume questões de diversos gêneros, em especial acerca dos mecanismos de responsabilização dos envolvidos.

No Brasil, o estudo de tal fenômeno, sob a ótica jurídica, é incipiente. E a problemática revela-se justamente no tocante à responsabilização do indivíduo, mormente quando criança ou adolescente.

Considerando os levantamentos científicos, observa-se que o bullying se manifesta, via de regra, em dois ambientes: no âmbito escolar e na internet. Dessa forma, questiona-se de quem, então, seria a responsabilidade pela reparação dos danos causados.

Na série, acompanha-se, como pano de fundo da trama, a luta dos pais de Hannah Baker em responsabilizar a escola pelo suicídio da filha e, com isso, obter a devida reparação.

Indaga-se: Se o episódio tivesse ocorrido no Brasil, seria a escola responsável? Os pais dos agressores? Ou, ainda, os envolvidos (criança ou adolescente) propriamente ditos?

Sobre a responsabilidade civil, nosso ordenamento adotou a teoria dualista quanto à vinculação das pessoas envolvidas — direta e indireta —, de tal sorte que a responsabilidade direta é aquela na qual a pessoa apontada como responsável está diretamente ligada ao fato ou ato e, por sua vez, na indireta, a pessoa considerada responsável é diversa daquela que se liga diretamente ao fato ou ato.

Considerando a menoridade dos envolvidos, nosso ordenamento não permite à responsabilização direta por seus atos, de modo que nessa hipótese, excepcionalmente, outra pessoa responderá pelos atos praticados pela criança ou adolescente, excluindo-se, assim, a responsabilidade civil dos agressores propriamente ditos. Exclusão essa que também se dá por razões lógicas, afinal, o menor nem sempre terá patrimônio para responder por eventual indenização que venha a ser condenado, esclarecendo-se que se tiver, responderá diretamente pelos danos causados.

A responsabilidade indireta decorre da lei, nesse sentido traz-se o artigo 932, incisos I e IV, do Código Civil, que dispõe:

“São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;..

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos.”

Em complemento, o artigo 933 do mesmo Código, disciplina que “as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.

Da exegese do dispositivo acima transcrito, colhe-se que, para a responsabilização dos pais, se faz necessário que os filhos estejam sob sua guarda (de fato), sob pena de faltar-lhes legitimidade para tanto.

Na hipótese de os pais estarem separados, ou um deles ausente ou interdito, a responsabilidade será daquele (pai ou mãe) que tem o filho sob sua posse e companhia, que exerce sobre ele o poder de direção e não necessariamente a guarda (de direito) propriamente dita.

Há também a hipótese na qual, quando de maneira contínua e fora do domicílio paterno, o menor é confiado à guarda dos avós, de educadores, de estabelecimentos de ensino, ou trabalha para outrem. Situações em que caberá a eles a responsabilidade durante o período em que exercerem o poder de direção sobre o menor, e assim por diante.

Vê-se, portanto, que a responsabilidade dos pais pode ser intermitente, cessando-se e restaurando-se conforme a delegação de vigilância, efetiva e a título de substituição, como durante o período em que os filhos estão sob a guarda do estabelecimento de ensino.

Assim, a responsabilização dos pais somente será possível se o dano se der sob sua guarda, o que impediria eventual condenação quando o bullying for praticado no âmbito escolar.

Dessa forma, ainda que o aluno se encontre em regime de externato, a responsabilidade do estabelecimento educacional subsiste, porém será restrita ao período em que o educando estiver sob a vigilância do educador, inclusive dos danos que advierem nas atividades externas de pesquisas de campo, visitas à entidades, às bibliotecas, entre outros.

Por outro lado, o evento que se der fora do alcance ou da vigilância do estabelecimento estará sujeito ao princípio geral da incidência de responsabilidade de seus guardiões.

No caso da citada série, muitos dos episódios que motivaram o suicídio da adolescente ocorreram por agressões de alunos fora do âmbito escolar, eximindo, portanto, a escola de ser a única e integral responsável pela reparação dos danos aos familiares.

Por estas razões, para correta atribuição da responsabilidade, dever-se-ia analisar cada um dos 13 episódios individualmente, a fim de apurar efetivamente os causadores e o âmbito das agressões, para somente então perquirir a efetiva responsabilidade dos envolvidos, ainda que isso pudesse resultar em 13 ou mais responsáveis.

Assim, mister se faz uma profunda reflexão acerca deste tema que, infelizmente, faz parte do cotidiano, porém ainda não claramente disciplinado em lei, bem como a importância de definições por parte da doutrina e da jurisprudência para suprir a deficiência legal no tocante à responsabilização dos envolvidos.

bsb

*Bruno Biscuola é graduado em Direito pelo UniFMU, possuindo pós-graduação em Direito Civil, pela UniFMU, e aperfeiçoamento acadêmico em relação ao Novo Código de Processo Civil, pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus – FDDJ.