BREVE REFLEXÃO SOBRE AS DECISÕES JUDICIAIS QUE, EM TEMPOS DE COVID-19, IMPÕEM REDUÇÃO NO VALOR DOS ALUGUÉIS

BREVE REFLEXÃO SOBRE AS DECISÕES JUDICIAIS QUE, EM TEMPOS DE COVID-19, IMPÕEM REDUÇÃO NO VALOR DOS ALUGUÉIS

Por Luiz Christiano Gomes dos Reis Kuntz[1]

Marco Antonio Alonso David[2]

Carlos Eduardo Manente[3]

 

Os valores de aluguéis têm sofrido impacto em razão do posicionamento do judiciário baseado nas consequências do imposto distanciamento social para fins de se evitar o contágio desenfreado do novo Coronavirus.

 

Em razão da pandemia por que passamos, alguns Estados da Federação e alguns Municípios nos impuseram uma séria restrição à liberdade de locomoção a que se chamou de quarentena obrigatória, permitindo o regular funcionamento apenas de atividades econômicas tidas como essenciais.

Tal situação, de forma pública e notória, impôs tanto às empresas como aos cidadãos queda significativa na sua capacidade de trabalho e de produção, diminuindo faturamentos e salários, levando até, infelizmente, em alguns casos, à falência de pequenos negócios e à perda de empregos.

Essa situação traz à baila, para avaliação e solução pelos Poderes da República, situações que resultaram, por exemplo:

i) na concessão, por meio da edição da Medida Provisória nº. 937/2020, do Poder Executivo Federal, convertida na Lei nº. 13.982/2020, do Auxílio Emergencial aos trabalhadores autônomos (também conhecido como Coronavoucher); ou

ii) na propositura do Projeto de Lei nº. 1.179/2020, pelo Senador Antonio Anastasia, hoje em trâmite na Câmara dos Deputados, que “dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do Coronavirus (Covid-19)”.

Não obstante, até que todas as medidas seja devidamente aprovadas e tonem-se eficazes, enfrentando a situação de crise econômica imposta para todos os brasileiros, bem como aos agentes econômicos, caberá ao Poder Judiciário, na sua função constitucional, promover a pacificação das relações sociais, regulamentando e adequando as situações que forem levadas à sua apreciação.

Nessa linha, tema que tem causado grande apreensão na sociedade liga-se à situação dos Contratos de Locação ante a eventual e passageira impossibilidade financeira, por parte dos locatários, de integralmente honrar com as obrigações neles assumidas (aluguel + despesas – condomínio, IPTU etc.), muitos se posicionado no sentido de exigir, até a regular retomada das atividades econômicas, com o fim da quarentena:

a) isenção do pagamento dos aluguéis; ou

b) suspensão de seu pagamento, sem a incidência de penalidades.

Tal situação, basicamente, enseja, em nossa visão, 2 (duas) possibilidades para a solução do impasse em questão, quais sejam:

1) composição entre as partes (locador e locatário), negociando e pactuando de forma amigável para o período extraordinário, com uma eventual isenção ou suspensão do pagamento dos aluguéis e encargos, sem prejuízo de seu posterior pagamento; ou

2) medida judicial para a revisão/adequação temporária das obrigações do contrato de locação, por meio da qual o juiz, ouvindo os argumentos das partes, decidirá.

A propósito, considerada a segunda possibilidade, temos que tanto o Tribunal de Justiça De São Paulo (“TJSP”)[4] como o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (“TJSC”)[5] já enfrentaram a questão, posicionando-se, em ambos os casos, com base na Teoria da Imprevisão (normatizada, também, no artigo 317 do Código Civil), pela revisão/adequação dos aluguéis nos Contratos de Locação.

Cabe esclarecer que, pela Teoria da Imprevisão, em linhas gerais, permite-se que as obrigações contratuais, por motivos imprevisíveis, possam ser revistas a fim de que sejam readequadas com o fito de se manter o equilíbrio contratual entre as partes, viabilizando-se o cumprimento da obrigação que, de outra forma, seria de difícil, senão impossível, execução.

Destaca-se, nesse sentido, que ambas as ações tratam de Contratos de Locação em Shoppings Centers, os quais possuem características diferentes dos Contratos de Locação residenciais e/ou comerciais usuais, possuindo característica sofisticada, baseada, usualmente, em um valor mínimo e/ou um valor adicional variável, fixado com base no faturamento do locatário, para a definição do valor aluguel mensal.

A decisão proferida no âmbito do TJSP, em momento de cognição cautelar antecedente, sem ouvir os locadores, com base na solicitação da locatária e na Teoria da Imprevisão, optou por rever, episodicamente, o valor do aluguel reduzindo-o a um percentual equivalente a 30% (trinta por cento) do valor fixado no Contrato de Locação.

Já o TJSC, também com fundamento na Teoria da Imprevisão, entendeu, em cognição sumária em tutela de urgência, em sede de ação revisional de aluguel, de mesma forma sem ouvir os locadores, pela redução do aluguel à ½ (metade) do valor mínimo de aluguel originalmente ajustado entre as partes, fixando, no entanto, por a lide ser fundamentada em situação transitória, que a tal decisão produzirá efeitos até 31/12/2020 (data fixada pelo Decreto Estadual nº. 6/2020 que fixou a quarentena no Estado de Santa Catarina), podendo a sua validade ser prorrogada ou antecipadamente cancelada em razão de fato novo (p.ex. novo decreto prorrogando a quarentena ou encerrando-a).

Entende-se, entretanto, que tais decisões, muito embora reconhecidamente bem intencionadas, mesmo em fase sumária, podendo ser revisadas posteriormente, quando da decisão final de mérito ou em grau de recurso, deixaram de considerar, ou ao menos expressamente não o fizeram, situações sumamente importantes para aplicação da Teoria da Imprevisão, tais como:

1) a revisão concedida do aluguel, superada a quarentena, importa obrigatoriamente na isenção do pagamento do valor equivalente ao percentual não pago (?); e

2) extinguem-se, com ela, os consectários relativos aos aluguéis, total ou parcialmente, não pagos (?); etc.

Note-se que, ao contrário do que se possa deixar transparecer pelas referidas decisões, a questão da aplicação da Teoria Da Imprevisão não é tão simples, devendo, para ser adequadamente implementada, considerar também:

I) o princípio da autonomia privada – cujo exercício, segundo Rodrigo Tellechea Silva, se caracteriza: “(…) pelo seu espaço de atuação, isto é, pelas atividades negociais e econômicas praticadas pelos indivíduos, contrapondo, em última análise, a prerrogativa de regular seus interesses ao poder do Estado[6];

II) o princípio da intervenção subsidiária e excepcional do estado, trazido pela Lei nº. 13.874/2020 (Declaração de Direitos de Liberdade Econômica) – que se consubstancia no direito da preservação da Autonomia Privada na solução de controvérsias em relação aos atos praticados, exceto se houver expressa disposição legal em contrário; e

III) o princípio da função social do contrato – por meio do qual se infere que um contrato, além de buscar o atingimento dos seus objetivos privados, os das partes, tem que atentar para com objetivos da sociedade onde se insere, p.ex.: a dignidade da pessoa humana, a preservação da empresa etc.; e

iv) por fim, porém não menos importante, os direitos constitucionais (uso, gozo e fruição) inerentes à propriedade do imóvel dos locadores.

Não nos parece razoável, assim, mesmo em um cenário de grave crise econômica, que o Judiciário possa interferir de maneira tal a ponto de desconsiderar e alterar o cerne, para o locador, da obrigação locatícia (o valor do aluguel) fixado entre as partes.

Ao fazê-lo em sede sumária, sem pré-estabelecer uma mínima segurança jurídica ao Locador no sentido de declarar, em obediência ao contraditório, o seu direito, ou de se garantir de no futuro receber a diferença do valor mínimo dos aluguéis temporariamente afastados, se ignorou ou se afastou:

A) a Autonomia Privada das partes por meio da qual se estabeleceu, de comum acordo, a forma de cálculo (fixa ou variável) do valor do aluguel, mínimo e/ou adicional;

B) o direito do locador de fruir do seu bem da forma que melhor lhe aprouver, gozando dos frutos (aluguéis) como originalmente pactuados.

Veja que pela Teoria da Imprevisão, nas palavras de Orlando Gomes, a sua aplicação somente é possível se “(…) a alteração imprevisível do estado de fato determine a dificuldade de o contratante cumprir a obrigação, por ter se tornado excessivamente onerosa a prestação”.

Entendemos que mesmo as graves consequências decorrentes crise econômica trazida pela Covid-19, para ambas as partes, cada uma delas tendo obrigações e compromissos vários assumidos, não têm o condão de alterar o cerne da obrigação locatícia (o valor do aluguel) de modo a prender, contra a sua vontade, o locador ao Contrato de Locação por contraprestação que, por muitas das vezes, não locaria o seu imóvel.

Nas situações de impossibilidade absoluta do cumprimento do contrato, em preservação do equilíbrio entres as partes (capacidade financeira do locatário e direito ao aluguel pactuado pelo locador), o próprio Código Civil, em linha com os princípios acima, estabelece em seu artigo 478, a possibilidade da resolução contratual por onerosidade excessiva.

Entendemos, no entanto, em observância da Teoria da Imprevisão, bem como ao princípio da função social do contrato, que, para o período de descompasso financeiro e de fluxo de caixa dos locatários, caberá ao Judiciário, também em observância ao princípio da intervenção subsidiária e excepcional do estado nos contratos e para manter o equilíbrio entre as partes, se não em sede de conhecimento sumário (cautelar) da lide, ao menos na análise de seu mérito, posicionar-se no sentido:

i.a) como de fato foi parcialmente feito nestes casos em comento, de suspender parcialmente a exigência do aluguel;

i.b) pelo período da quarentena, vetar a tomada de medidas, pelos locadores, que:

i.b.1) restrinjam o acesso do locatário ao imóvel ou que determinem o seu despejo; e

i.b.2) imponham a ele dificuldade de acesso a crédito, p.ex. em razão de sua inscrição nos serviços de proteção ao crédito (SCPC, SERASA etc.) e/ou protesto do título em cartório de protesto de títulos e documentos;

i.c) impor, tão logo suspensa a quarentena, a obrigação dos locadores em pagar, em fluxo viável, o saldo remanescente do aluguel, em razão da determinação judicial, não pago, devidamente corrigido; e

i.d) em razão da excludente de culpabilidade, já que não é responsável pela disseminação do Covid-19, afastar a aplicação de quaisquer penalidades contratuais e/ou legais aos locatários, bem como, em obediência ao artigo 393 do Código Civil, quaisquer indenizações por prejuízos pleiteados pelos locadores com base no não pagamento tempestivo dos alugueis.

Como comentado no início, decisões judiciais recentes nesse sentido já começaram a surgir, não existindo, ainda, posicionamento uníssono do Judiciário a respeito, sendo cada caso é analisado pontualmente.

Visando preencher esta lacuna, bem como orientar a posicionamento do Judiciário, o Poder Legislativo, discute a aprovação do Projeto de Lei nº. 1.179/2020, o qual já foi aprovado pelo Senado estando, neste momento, em apreciação pelo Plenário da Câmara dos Deputados.

O Kuntz Advocacia está preparado, tanto na seara do Direito Contratual e Imobiliário, como na Processual Civil, para atender e defender os interesses de seus clientes a fim de que, todos, possam sair vivos e fortalecidos deste difícil período de recessão econômica.

Por fim, aproveitamos o ensejo para alertar a todos a necessidade de seguirem as orientações com higiene pessoal, intensificando as medidas protetivas de distanciamento pessoal, para obstar a propagação do vírus, reforçando, como de costume, as palavras de nosso sócio administrador e spokesman, Dr. Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz:

 

Quanto mais cedo nos distanciarmos, mais cedo nos abraçaremos!

 

Todos os nossos canais de comunicação permanecem ativos e prontos para atendê-los e esclarecer quaisquer dúvidas!

[1] Advogado – Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo – FDUSP – Juiz de carreira e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Doutor Honoris Causa em Ciências Jurídicas.

[2] Advogado – Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – UniFMU e Especialista em Direito Empresarial pela Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da Pontifícia Universidade Católica PUC/COGEAE.

[3] Advogado – Bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu – USJT e Especialista em Direito Processual Civil pela Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da Pontifícia Universidade Católica PUC/COGEAE.

[4] Processo nº 1026645-41.2020.8.26.0100, em trâmite perante a 22ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP.

[5] Processo nº. 5010372-55.2020.8.24.0008, em trâmite perante a 4ª Vara Cível da Comarca de Blumenau/SC.

[6] SILVA, Rodrigo Tellechea. Autonomia Privada e Direito Subjetivo. In: Sociedades anônimas fechadas: direitos individuais dos acionistas e cláusula compromissória estatutária superveniente. São Paulo, 2015. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/index.php?option=com_jumi&fileid=17&Itemid=160&id=D7A76D637CDD&lang=pt-br>. Acesso em: 03 mar. 2019.