Por considerar que a busca e apreensão feita em um escritório de advocacia ultrapassou os limites do mandado, além de ter sido cumprido sem a presença de um representante legal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu um advogado condenado por tráfico e posse ilegal de arma.
O caso teve início quando um estagiário do escritório começou a ser investigado por, supostamente, estar armando a morte de sua namorada. Como as notícias diziam que ele usaria uma arma foi expedido mandado de busca para a residência e local de trabalho.
O mandado foi cumprido em todo o escritório, e não apenas na mesa do estagiário. Durante a busca, foi encontrada uma arma e uma quantidade considerável de droga. Por isso, o advogado proprietário do escritório que acompanhava o cumprimento do mandado, foi preso em flagrante e, posteriormente foi condenado por tráfico e posse ilegal de arma.
Representado pelo advogado Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz, do Kuntz Advocacia e Consultoria Jurídica, o advogado condenado recorreu alegando nulidade da busca e apreensão, uma vez que não havia representante legal da OAB quando do cumprimento do mandado e este não tinha o condão de revistar todo o escritório do advogado que empregava o estagiário investigado.
Ao analisar o caso, o desembargador Francisco Bruno, autor do voto vencedor, deu razão ao advogado. “As garantias constitucionais não podem ser relativizadas sem que, cedo ou tarde, se pague um preço muito alto — alto demais, a meu ver, para que assim se aja, ainda que nos crimes mais graves”, explicou ao iniciar sua justificativa.
O desembargador aponta que a busca e apreensão infringiu o Estatuto da OAB, que exige o mandado de busca e apreensão seja pormenorizado e que, durante seu cumprimento, tenha um representante da Ordem presente.
Além disso, o desembargador observou que a garantia constitucional do sigilo profissional do advogado, “exigência básica da democracia”, foi desrespeitada sem motivo algum.
“Como é possível admitir, sem a descaracterizar totalmente e até mesmo para satisfazer as exigências do artigo 243 do Código de Processo Penal , que, expedida para busca relacionada com estagiário de escritório de advocacia, valha para todas as mesas e arquivos ali existentes?”, questiona.
Para demonstrar o que classifica como um absurdo, o desembargador compara o advogado a um ministro. “Imagine-se, para que fique bem caracterizado o absurdo, um mando de busca, expedido pela autoridade competente, para busca e apreensão do revólver com um assessor de Desembargador, ou de Ministro de Corte Superior. Isso daria à autoridade policial legitimidade para revistar a mesa de trabalho do próprio Desembargador, ou do Ministro? É óbvio, a meu ver, que não; de tal sorte, parece igualmente claro que, nestes autos, foi extrapolado o linde constitucionalmente permitido pela ordem judicial”, exemplifica.
Aplicando a teoria do fruto envenenado, o desembargador votou pela absolvição do advogado acusado de tráfico de drogas e porte ilegal de armas. “Parece-me que a teoria do fruto da árvore proibida é consectário lógico e inevitável da garantia e é, aqui, claramente aplicável; o fruto, que por acaso surgiu, está inarredavelmente contaminado. Daí por que, sempre com o maior respeito, não vejo como admitir a legalidade do que ocorreu”, concluiu. O voto do desembargador Francisco Bruno foi seguido pela maioria dos integrantes da 10ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP.
Ao comentar a decisão, o advogado Eduardo Kuntz afirmou: “É muito legal, em tempos de desrespeito as prerrogativas do advogado, ver o TJ-SP anular um caso tão grave em defesa da Constituição. Renova as energias e nos faz realmente lutar e lutar por várias coisas que acredito”.
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